O desfecho estava anunciado à partida. Depois de o Governo ter informado o parlamento da decisão de não realizar um referendo sobre o Tratado de Lisboa, o Bloco de Esquerda revelou que iria apresentar uma moção de censura, visto o Governo ter desrespeitado uma promessa eleitoral. Na passada quarta-feira, a moção foi debatida, condenada à nascença em virtude da maioria absoluta do PS, ainda por cima com a ajudinha do PSD e do CDS, que optaram por fechar os olhos e seguir o caminho da abstenção. No entanto, o Governo não pôde dispensar uma defesa, pois apesar de tudo, havia ainda a opinião pública a assistir ao debate ou aos resumos do dito nos telejornais: José Sócrates (com a abnegada ajuda de Alberto Martins) quis apresentar-se como o defensor da democracia parlamentar representativa, perante o ataque supostamente desavergonhado dos ferozes adeptos da demagogia e do populismo.
Mas como os deputados do BE e do PCP bem disseram, o que estava em causa era precisamente a saúde da democracia parlamentar. A moção censurava, não a ratificação parlamentar do tratado europeu, mas o incumprimento da promessa “socrática” de realizar um referendo sobre o tema. Alberto Martins bem se esforçava por dizer que os deputados eram os representantes do povo. Mas esqueceu-se que todos aqueles representantes foram eleitos com programas eleitorais que prometiam a realização de um referendo. Falou muito da dignidade da instituição parlamentar. Mas que dignidade há naquela instituição, quando, dos 230 deputados que foram eleitos com um programa que prometia a realização de um referendo, só a pequena minoria de comunistas e bloquistas respeita o que prometeu? É certo que os representantes não devem fazer sempre o que os representados querem, que o seu “dever” perante os representados é seguir a sua própria convicção (Burke dixit). Mas o que os representantes nunca devem fazer é desrespeitar o compromisso que estabeleceram com aqueles que votaram neles, quebrando a confiança que os representados neles depositaram.
É por isso que a moção de censura apresentada pelo BE foi importante e louvável. Claro que as boas consciências notaram a irrelevância do exercício, pois contra uma maioria absoluta do PS, era impossível derrubar o Governo. Mas se sempre que um Governo desrespeita uma promessa eleitoral, a oposição o censurasse no parlamento, mesmo sabendo que nunca poderia ver essa moção aprovada e o Governo derrubado, talvez esse hábito se mantivesse quando não existissem maiorias absolutas. E assim talvez os partidos tivessem mais receio em apresentar em campanha eleitoral propostas que não poderão cumprir no Governo, e os Governos se esquecessem menos das propostas que os seus partidos apresentaram aos eleitores que neles depositaram a sua confiança. A moção de censura do BE, e os votos a seu favor do PCP, são um elemento positivo na introdução de uma cultura de responsabilidade dos deputados perante os eleitores, e dos Governos pelas propostas apresentadas em campanha eleitoral. E se os votos contra do PS nada surpreendem, mais grave foram as abstenções do PSD e do CDS. O CDS, ao reclamar o referendo, cumpre aquilo que prometeu em 2005. Mas ao abster-se na moção de censura ao incumprimento da promessa socialista, mostra-se indiferente perante esse comportamento, levando a crer que a defesa do referendo, longe de uma posição de princípio e de respeito pelo compromisso com os seus eleitores, não passa de uma oportunista jogada para se diferenciar do PS e do PSD. O PSD, por sua vez, fez exactamente o mesmo que o PS. Esqueceu-se do que prometeu em 2005, sob a liderança do mesmo Santana Lopes que dá a cara pela liderança de Menezes. O PSD não só se mostra indiferente (ao abster-se) perante a falta de vergonha do PS e o desrespeito socialista pelos eleitores, como partilha (ao quebrar a promessa eleitoral de apoiar a realização de um referendo) com os socialistas essa falta de respeito e essa falta de vergonha. Algo vai mal quando a defesa da democracia parlamentar é feita pelo BE e pelo PCP.