Devo estes dez anos que passei no Parlamento Europeu aos convites que, em 1999 e em 2004, me foram feitos por José Manuel Durão Barroso, da primeira vez ainda líder do principal partido da oposição e, da segunda, já primeiro-ministro. E faço questão de agradecer-lhe aqui essa oportunidade de "frequentar" a Europa durante uma década num nível mais estreitamente profissional e político do que o de qualquer das minhas experiências anteriores.
Tudo isso foi muitíssimo interessante a todos os títulos e, se naturalmente tenho pena de dar esta fase por terminada, não tenciono flagelar o leitor com a exposição dos meus estados de alma. Parece-me, sim, importante, salientar que o meu convicto europeísmo se vem tornando cada vez mais crítico e mais exigente e, por isso mesmo, um tanto ou quanto mais… decepcionado. Mas foi em nome dele que trabalhei como deputado europeu.
A União Europeia, hoje, transparece simbolicamente numa simples frase que tem um alcance muito mais do que anedótico. Na versão portuguesa do projecto de regulamento para o conselho de administração da Casa da História Europeia, que já aqui tive ocasião de referir em artigo anterior, lê-se, logo nas segunda e terceira linhas: "Observação: A designação de cargos no género masculino abrange igualmente o sexo feminino"!!!
Tive ocasião de protestar energicamente junto de Hans-Gert Pöttering, presidente cessante do PE, apelidando esta observação de pura idiotia e considerando-a ofensiva para Portugal, quanto mais não fosse por, tratando-se de um país democrático, poder pensar-se que entre nós as coisas não se passariam assim…
Mas ela simboliza bem a Europa que estamos a construir, um misto de politicamente correcto a resvalar com frequência para a mais estarrecedora imbecilidade fundamentalista, como no caso referido, e de insignificâncias sucessivas; de exportação de direitos humanos (que ninguém, no resto do mundo, está muito interessado em importar a não ser por momentâneas razões tácticas), como álibi para a passividade mais descaracterizadora da afirmação europeia no mundo; de concessões permanentes à esquerda em nome de consensos pateticamente ineficazes; de transplantação fiel dos vícios dos parlamentarismos nacionais para o Parlamento Europeu cuja competência acrescida vai ser um factor de atraso da construção europeia e não de progresso; da mais completa impotência defensiva e militar; de total incapacidade de defesa da produção industrial europeia e dos interesses comerciais europeus ante a concorrência asiática (como Mandelson se encarregou de demonstrar); de desunião motivada por interesses divergentes e centrífugos dos países membros; de nacionalismos e proteccionismos encapotados; de bandeiras erguidas e prontas a baixar logo que um dos países "motores" franze o sobrolho (por exemplo, a indústria alemã ou a agricultura francesa)...
Uma Europa que se pretende, agora, mais viável através do Tratado de Lisboa, quando o certo é que este, se adoptado, vai abrir a porta ao directório dos mais fortes e das suas alianças pontuais, ao sabor das conveniências, e sem resolver a conflitualidade decorrente do último alargamento que veio multiplicar e agravar os problemas comunitários. E também vai criar um parafederalismo contraditório com o decidido na Alemanha pelo tribunal constitucional. Enfim, uma Europa cujos membros, desunidos e confinados à defesa da intergovernamentalização e de geometrias variáveis de oportunismos, se arrisca a debilitar ainda mais a Comissão Europeia, quando esta devia ser o verdadeiro motor da construção em que todos dizem empenhar-se. Assim, vencer a crise actual vai ser muito mais difícil.
Mas o leitor pode ver a análise destes e de muitos outros problemas, quer no breve mas excelente artigo de José Cutileiro no Expresso de sábado passado quer na Prospect de Julho, em que um extenso artigo de Charles Grant faz o levantamento da situação para pôr, de pleno, a questão de saber se a Europa não estará slipping backwards, isto é, a escorregar para trás e, do mesmo passo, a ceder a vez a outros na configuração da nova ordem mundial…
Numa Europa como a de hoje, Jacques Delors não seria possível e Durão Barroso vai ter de suar as estopinhas.
no DN
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